
A divisão de bens patrimoniais no divórcio, não se resume à casa. Deverá ter em conta a divisão de outros bens patrimoniais.
A divisão dos outros bens para além da casa pode também ser orientada por uma forte dose de emoção. Por vezes, uma pequena peça decorativa, com pouquíssimo valor económico, pode suscitar mais dificuldades do que a partilha de um bem mais valioso, como um automóvel.
É importante, mais uma vez, manter o sangue-frio e chegar a um entendimento. Sem, no entanto, colocar de lado os seus direitos. Importa considerar a razão e não a emoção. Pensar e decidir tendo sempre presente os efeitos a médio e longo prazo.
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Recheio da casa e outros itens
Por regra, estes bens não merecem muita atenção no bolo total que será partilhado. São desvalorizados. Mas isso é um erro. Se facilita, o mais provável é arrepender-se no momento em que está a montar a sua nova casa. Irá compreender com algum detalhe o que deixou para trás.
A primeira coisa a fazer é excluir do recheio da casa os bens estritamente pessoais (roupa, calçado, entre outros). Se já vive separado, o mais provável é esses objetos já estarem divididos. O mesmo poderá ter sido feito relativamente a bens da casa. A solução mais fácil para perceber se um levou mais valores do que o outro é pesquisar na internet, nos sites de bens em segunda mão, e verificar o que valem.
No elenco destes bens naturalmente que haverá alguns que estimará, isto é, com os quais terá uma relação emocional. Por isso, ao propor uma solução de partilha, tenha em conta não só a vertente económica como também a emocional. Procure que o outro fique com bens com os quais tem uma relação emocional; e, para si, destine aqueles pelos quais sente mais afeto. Se, depois, nas contas finais, considerando os resultados do mapa da partilha, existir um desfasamento a favor de um e em detrimento do outro será possível compensar o outro com o pagamento de tornas. Se, pelo contrário, isso não for possível, então terão de ser refeitas as contas considerando, apenas, o valor de mercado dos bens, porque é este que, à luz da lei, efetivamente, interessa.
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Ativos com valores variáveis
No inventário referido neste capítulo incluímos ações e obrigações. É frequente que o casal também tenha no seu património este tipo de bens. Estes ativos suscitam uma dificuldade menos comum: como os valores mudam diariamente importa saber qual o momento relevante para se determinar esse valor. Tudo depende.
Divórcio sem consentimento precedido de separação de facto — neste caso se foi requerida, na ação, a retroação dos efeitos patrimoniais à data da separação, então o valor das ações e obrigações é o do dia em que a separação se deu. Por ex., se sai de casa a 25 de junho de 2015 então terá de saber a cotação dos títulos desse dia.
Se, pelo contrário, não foi requerida a retroação dos efeitos patrimoniais, então o valor desses título é o do dia em que deu entrada com a ação de divórcio sem consentimento. Por ex., se deu entrada com a ação a 25 de fevereiro de 2015 e a sentença do divórcio é decretada em 14 de dezembro de 2015, então o momento a considerar é o de 25 de fevereiro de 2015.
Divórcio por mútuo consentimento — nestes casos, a data a ter em conta é a do dia em que o Conservador decreta o divórcio. Se, por ex., se divorcia no dia 12 de março de 2015 então saiba o valor das ações e obrigações desse dia.
No entanto, pode acontecer vender os títulos entre a data da separação e a do divórcio. Nestas situações, corre o risco de o património comum poder diminuir substancialmente. Imagine que quando vende as ações estão em baixo e, quando o divórcio efetivamente ocorre, a cotação está em alta. Esta situação pode suscitar conflituosidade quando não obteve o consentimento para vender por parte do outro e quando a administração dessas ações e obrigações pertencia a ambos. O outro cônjuge poderá alegar que a diferença de preços existente é da sua responsabilidade, pelo quer terá de ser suportada por si.
Isso já não será assim se comprou as ações e obrigações com as poupanças provenientes dos seus rendimentos de trabalho, por ex., inclusive, na pendência do casamento. Neste caso, como os títulos foram comprados com rendimentos obtidos por si, então tem a administração desses mesmos bens. Consequentemente, isso permite-lhe vender as ações sem necessidade do consentimento do outro.
Em alternativa, para simplificar, poderão dividir as ações e obrigações em partes iguais. Como o valor a considerar será o mesmo, a divisão não alterará os termos da partilha do restante património.
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Bens a que não dá importância
Não se esqueça daqueles bens que parecem não ter qualquer valor mas que, depois de feitas umas pequenas contas, compreenderá como é importante inclui-los no mapa da partilha.
Esses bens poderão ser:
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- Passes de acesso a atividades desportivas (em particular, quando isso inclui o acesso a camarotes de vários lugares).
- Milhas de voo.
- Assinaturas de acesso a clubes (por ex., um ginásio).
- Direitos de autor, copyrights, patentes, royalties e outros do género.
- Stock options.
Têm duas opções: ou dividem em partes iguais estes direitos ou atribuem-lhes um valor a adjudicam-nos a um de vós.
Stock options
As stock options são um direito que é atribuído a quadros titulares de cargos relevantes, regra geral, em empresas tecnológicas ou multinacionais.
Basicamente, dentro do pacote de regalias que a empresa faculta ao seu trabalhador, para além do vencimento, pode estar incluído o direito a comprar ações da empresa a um preço previamente determinado. Isso é stock option.
Imagine que, quando celebra o contrato de trabalho, a empresa lhe faculta o direito a, daí a um ano, comprar 5.000 ações ao preço unitário de € 1,10. Nessa altura, imagine que a cotação da ação está a € 2,50. Poderá comprar as tais 5.000 ações ao preço de € 1,10 e, logo de seguida, vendê-las a € 2,50.
Ora, se o direito de adquirir as stock options ocorre durante o casamento, então esse direito é património comum. A solução mais razoável é, no momento da venda, apesar de já estar divorciado, ter de partilhar o lucro obtido com a compra e subsequente venda. Ou, se o contrato o permitir, dividir e transferir, no momento da partilha, esse direito. No nosso caso, existindo uma stock option de 5.000 ações, cada um dos cônjuges ficaria com o direito a adquirir 2.500 ações.
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Prémios anuais, subsídios e indemnizações por despedimento
Os prémios ou compensações auferidos no final do ano podem ser um importante ativo a partilhar. Nesses casos, a primeira preocupação que deve ter é a de conhecer os termos do contrato que sustentam esses prémios ou compensações. Naturalmente que o outro não lhe facultará essa informação assim sem mais nem menos. Importa, portanto, aceder a esses dados antes que a nuvem da separação paire entre ambos.
Estes prémios ou compensações anuais estão normalmente relacionados com a performance da empresa ou do colaborador (o caso mais frequente é o de comissões por vendas efetuadas). A particularidade é que só com o encerramento anual das contas esses prémios ou compensações são fixados. Ora, por essa altura, às tantas, o divórcio já foi decretado (inclusive, a partilha efetuada) e um já não quer saber do outro.
Por isso, inclua na lista dos bens a partilhar o direito a estes prémios ou compensações, mesmo que ainda se ignore o seu valor. Se o divórcio é decretado, imagine, a 1 de fevereiro, os prémios ou compensações relativas ao ano anterior são património comum do casal assim como os que sejam recebidos no ano seguinte embora apenas relativos ao mês de janeiro (1/12).
Os subsídios de natal e de férias devem ter o mesmo tratamento. Se o divórcio ocorre a 1 de junho deve ser partilhado o subsídio de férias relativo ao ano anterior e ainda 5/12 do relativo ao ano presente a que acresce 5/12 do subsídio de natal.
Também se devem sujeitar às mesmas regras as indemnizações por despedimento, as por reforma antecipada e ainda os prémios por reforma, quando são calculados considerando um determinado período de tempo em que vigorava o casamento. Por ex., se o casamento durou 10 anos e, passados dois anos, o seu ex-cônjuge é despedido com uma indemnização, então 80% dessa indemnização deve ser considerada património comum do casal e, consequentemente, partilhado. Tome nota que isso é assim independentemente de, nessa altura, a partilha já ter ocorrido. Na verdade, se mais tarde, depois da partilha realizada, se identificarem bens comuns que não foram considerados, eles devem sujeitar-se a isso através duma ‘partilha adicional’.
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Reforma
Durante a sua vida ativa irá realizar descontos para, no final, quando se reformar, poder receber uma pensão. Se considerarmos essa pensão como um rendimento obtido em substituição do vencimento que era auferido, então abre-se espaço para considerar os valores provenientes da reforma como património comum do casal.
Na mesma linha de raciocínio, os créditos resultantes dos descontos efetuados tendo em vista uma reforma também devem ser tidos como património comum e, consequentemente, ser objeto de partilha. Imagine que, durante o seu casamento, descontou € 25.000. Esse valor deve considerado no inventário, para ser partilhado. Apesar de defendermos esta ideia, tome nota que não é pacífica quando os descontos são obrigatórios, a favor de entidades públicas (a Segurança Social ou a Caixa Geral de Aposentações, por ex.) — ela não é aceite por alguns tribunais. Já não levanta tantas dificuldades quando os descontos são feitos como complementos da reforma para fundos privados.
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Animais
Os animais são, juridicamente, coisas. Portanto, formalmente, são tratados como se tivessem um valor e, consequentemente, fazem parte da relação de bens como um ativo.
No entanto, os animais, nomeadamente, os de companhia, são muito mais do que ‘coisas’. É natural que exista uma especial relação entre si e o cão ou o gato que o acompanha há tantos anos.
Seja como for, apesar dessa relação emocional muito provavelmente existir, não esperará a regulação das responsabilidades com o animal como se de uma pessoa se tratasse. A lei é muito clara acerca disso — a regulação das responsabilidades está reservada apenas para quando existem filhos menores.
A questão da partilha de um animal é complexa. Importa, tal como em todos os assuntos mais delicados, que se apele ao bom senso. Nessa linha, é razoável considerar-se que o animal deve ser deixado aos cuidados de quem com ele mais priva, lhe dedica mais atenção e carinho. Aliás, já que é, juridicamente, uma ‘coisa’, então poderá ser enquadrado como um bem de uso pessoal. Sendo assim, nem sequer será objeto de partilha, por ser um bem próprio de quem lhe dá essa atenção e carinho.
No fundo, deve-se procurar uma solução que vá mais de encontro aos interesses do animal do que dos seus donos. Porventura, poderá chegar a acordo com o seu ex prevendo uma partilha da companhia do animal quase que como se de uma pessoa se tratasse.
Caso precise de ajuda, peça orientação junto de um advogado. Por vezes, basta uma reunião para compreender que procedimentos deve adotar. Verá que tudo correrá muito melhor.