
Os critérios para determinar a residência dos filhos durante o processo de divórcio variam de acordo com as leis e práticas judiciais de cada jurisdição. Saiba quais são.
Há, por regra, dois assuntos onde tudo se vai jogar, fonte de enormes divergências entre os progenitores: a residência das crianças e a pensão de alimentos. No primeiro, discute-se se a residência deve ser atribuída apenas a um progenitor (residência fixa) ou a ambos (residência partilhada). No segundo define-se se um dos progenitores paga alimentos aos filhos e qual o valor.
A residência dos miúdos é estabelecida considerando ‘o melhor interesse para a criança’. Se se entender que residir consigo é melhor para a criança, então o tribunal decide atribuindo-lhe a residência a si; se o tribunal entender o contrário, então atribui a residência ao outro progenitor.
Como é fácil de perceber, ‘o melhor interesse’ pode ser um para um tribunal e outro para outro. Isto é, o tribunal de Sintra pode entender que a criança fica melhor consigo; mas o tribunal de Coimbra pode entender que a criança ficaria melhor residindo, alternadamente, com ambos os progenitores. Ou seja, o conceito é indeterminado, estando dependente da subjetividade do juiz.
Nestas circunstâncias, a decisão do tribunal vai depender do seu caso concreto, isto é, dos dados objetivos que apresentar e, consequentemente, do tipo e da qualidade dos argumentos que utilizar quando decorrerem as sessões para decidir este ponto. Daí ser tão relevante a sua prestação ou de quem o representa junto do juiz. Diríamos, aliás, que o ponto crítico deste processo de regulação das responsabilidades parentais é a ‘Conferência de Pais’. É aí que se decide muito do futuro dos seus filhos.
Agora a mãe já não tem a preferência de antigamente
Como é um conceito indeterminado ‘o melhor interesse para a criança’ evoluiu ao longo dos tempos, de acordo com a sensibilidade dos juízes e as circunstâncias que os envolvem — e envolvem toda a sociedade.
A maior parte dos juízes de hoje em dia considera como sendo do ‘melhor interesse para a criança’ um contacto regular e semelhante com ambos os progenitores. Mas, na verdade, nem sempre foi assim.
Ainda na década de 90 e anos 2000 entendia-se que a mãe se encontrava em melhor situação do que o pai para assumir a residência dos menores. Em particular, quando os miúdos ainda não tinham atingido os 3 a 5 anos.
No entanto, os tribunais entenderam — em bem — que, hoje em dia, devido aos compromissos profissionais que as mulheres assumiram, pouco há que permita sustentar uma decisão inibidora de uma partilha de tempos idêntica entre a mãe e o pai. A residência poderá ser partilhada se o pai assim o desejar e se existirem condições objetivas para isso.
Seja como for, há sempre tribunais mais sensíveis a isso e outros não. Mais uma vez, depende da forma como coloca as questões e a atitude que assume perante o tribunal.
Não existindo acordo dos progenitores quanto à residência (ambos pretendem a residência para si ou um pretende a residência para si e o outro pretende partilhá-la), e também não existindo motivos negativos para dar preferência a um em detrimento do outro (por ex., um tem problemas alcoólicos; quando um provoca maus tratos aos miúdos; quando é grosseiramente negligente em tratar dos filhos), o tribunal vai escudar-se na análise de vários factos para, depois, tomar uma decisão. Por regra, considera os seguintes:
Relativos à criança — em particular, a idade. Com efeito, se a criança ainda é amamentada não é possível atribuir a residência ao pai. Mesmo estando ultrapassado esse período, alguns tribunais ainda valorizam a ‘tenra idade’ das crianças e a ligação mais emocional à mãe, em particular, se ela, durante esse período é ou foi o seu principal suporte.
Além da idade, os tribunais ainda consideram as suas necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais, o seu sexo, o seu grau de desenvolvimento, a adaptação ao ambiente extra-familiar de origem e os efeitos de uma mudança nas rotinas da criança.
Relativos aos progenitores — avalia-se se o progenitor manteve uma rotina com os filhos. Naturalmente, o progenitor que ficou em casa, juntamente com os filhos, pode ter preferência na atribuição da residência. Dirá sempre que está a fazer um esforço para manter as rotinas dos miúdos e uma grande proximidade com eles. Portanto, se saiu de casa, terá no mais curto espaço de tempo de criar essas rotinas com as crianças — aliás, por isso é que não deve sair sem um acordo provisório de regulação das responsabilidades, como referimos no capítulo 2. Se não teve qualquer preocupação dessa natureza, então encontra-se agora em mais dificuldades para ficar com a residência dos menores.
É importante também considerar, se saiu de casa, a proximidade com a residência dos menores ou com a escola deles. Residir para outra cidade é abdicar, pelo menos, de uma residência partilhada.
Além disso, também importa considerar a qualidade da relação que tem com os filhos, o tempo disponível para cuidar deles, a sua saúde, o seu estilo de vida, a sua situação financeira, profissional e a estabilidade que lhes pode facultar.
Relacionamento entre os progenitores — o tribunal irá considerar a qualidade da relação existente entre os progenitores — se é conflituosa ou de cooperação. O tribunal avaliará negativamente o progenitor que se refere ao outro, junto das crianças, em tom depreciativo e injurioso, ou que dificulta a relação entre ambos. Quantos mais exemplos de situações de cooperação referir melhor compreenderá o tribunal a sua interação e, consequentemente, mais facilmente decretará, pelo menos, a residência partilhada.
Relacionamento dos progenitores com os filhos antes da separação — é importante referir o seu relacionamento com os miúdos antes da separação. Obviamente que ficará valorizado se demonstrar em como sempre passaram por si as decisões mais relevantes para o futuro das crianças, que mantinha com elas uma relação muito próxima, que foi sempre o progenitor na linha da frente para lhes prestar apoio.
Também poderá justificar o facto de não ter tido esse tipo de intervenção tão próxima, constante e diária, porque foi decidido entre os progenitores dividir as responsabilidades da vida familiar de uma determinada maneira. E que, presentemente, deseja, genuinamente, ter esse tipo de intervenção, agora que a união com o outro se esfumou.
Vontade da criança — se a criança tiver pelo menos, 12 anos, a sua vontade será tida em conta pelo tribunal. Aliás, esta vontade é determinante para o tribunal decidir.
Estabilidade — o tribunal valoriza uma solução de continuidade para atenuar as profundas mudanças que, entretanto, ocorreram na vida dos miúdos. A ideia é: atenuar as alterações ocorridas evitando mais mudanças nas rotinas das crianças.
Orientação sexual — poderá ter impacto na decisão do tribunal a orientação sexual dos progenitores — se um deles foi homossexual ou se pretende, na altura, alterar o seu género. De acordo com a lei, ninguém pode ser prejudicado pelo sexo e pelas suas orientações sexuais. Em Portugal, aliás, admite-se o casamento entre homossexuais. Portanto, em princípio, isso não é tema impeditivo para o tribunal o tratar da mesma forma como trataria outro caso.
No entanto, poderá ainda confrontar-se com alguns preconceitos quanto a isso. Basta encontrar um juiz que seja sensível ao argumento de as crianças não deverem ser expostas a um ‘estilo de vida homossexual’ e, consequentemente, negar as rotinas normais de contacto com o progenitor.
Estes preconceitos — sustentáveis ou não — ainda se verificam com maior intensidade para os casos em que o progenitor mudou de género — os transexuais. Aí a falta de compreensão destes temas pelos tribunais pode ser um forte obstáculo à obtenção da residência das crianças.
Outras razões — além das referidas, o tribunal ainda considerará as caraterísticas das respetivas casas, o conforto, a presença de outros irmãos, a assistência que pode ser prestada pela família alargada e a relação das crianças com o novo companheiro.
BAPTIZA-SE OU NÃO?
Em Portugal ninguém pode ser prejudicado ou favorecido por praticar determinada religião. Sendo assim, se um progenitor insiste em instituir práticas religiosas à criança (frequência da catequese, participação na missa) e o outro não, o tribunal não pode valorizar uma conduta em detrimento da outra.
O problema ganha, no entanto, maior dificuldade quando ambos os progenitores professam religiões diferentes. Imagine que um dos progenitores é católico praticante e o outro é muçulmano. Alguns tribunais vão considerar que a pratica de duas religiões pelas crianças não origina qualquer problema. No entanto, outros terão um entendimento diferente. Seja como for, o tribunal só decretará qualquer injunção se se concluir, em concreto, que a prática de ambas as religiosos originou problemas e, consequentemente, não salvaguarda os ‘melhores interesses da criança’.
A prática religiosa é uma questão de particular importância para a criança. Isso significa que, sendo as responsabilidade parentais exercidas em comum, só poderá tomar decisões desde que o outro progenitor concorde. Se não existir consenso então terá de pedir ao tribunal que decida.
TOME NOTA: Se, porventura, se sente descriminado em relação da sua orientação sexual, então procure apoio junto das várias organizações existentes. A EX-AEQUO, a OPUS GAY e a ILGA são algumas onde pode procurar ajuda.
O QUE FAZER AO PROGENITOR AUSENTE
Também pode acontecer o inverso daquilo que é normal: o progenitor evitar constantemente o relacionamento com os filhos, não estando com eles e, eventualmente, nem pagando os alimentos.
Ora, o progenitor deve cumprir as regras estabelecidas quanto ao exercício das responsabilidades parentais. Se foi atribuído ao progenitor os fins de semana alternados ele tem de estar com as crianças nesses momentos. Não o fazendo, o outro progenitor pode interpor uma ação de incumprimento.
Nessa ação de incumprimento o progenitor cumpridor vai relatar a situação e pedir ao tribunal que condene o outro a cumprir o que ficou definido e ainda o pagamento de uma multa até € 2.040.
O progenitor ausente terá a oportunidade de se defender. E, o mais provável, é justificar porque não tem cumprido o que ficou estabelecido.
Seja como for, e quanto à questão central: de que forma pode o tribunal obrigar alguém, que é progenitor, a cumprir os seus deveres de progenitor? Muito difícil, senão impossível. O amor, o carinho e o afeto não se pode aplicar por decreto.