
Esteja devidamente preparado para o julgamento e sentença do seu divórcio. Conheça as regras.
A larga maioria dos julgamentos, basicamente, consiste em advogados a interrogar testemunhas e o juiz a pedir esclarecimentos a essas mesmas testemunhas. O seu julgamento será realizados de acordo com as seguintes regras.
REGRAS BÁSICAS DO JULGAMENTO |
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A |
Há uma ordem para as pessoas serem ouvidas:
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B |
Em qualquer dos pontos acima indicados, o advogado que inicia o interrogatório é a que indicou a pessoa para ser presente ao julgamento; Só depois desse interrogatório concluído é que o outro advogado fará o designado contrainterrogatório. Por ex., se o seu advogado indicou a testemunha X, depois de ela se sentar e se identificar, quem começa a fazer perguntas é o seu advogado. Depois de ele ter concluído as suas perguntas a palavra é dada ao advogado do outro cônjuge. |
C |
O juiz pode interromper quando achar conveniente o interrogatório assim como pode pedir esclarecimentos. |
D |
Não podem ser colocadas às pessoas perguntas impertinentes, sugestivas, capciosas ou vexatórias. |
E |
As testemunhas podem consultar documentos para poderem precisar as respostas. |
F |
Se uma testemunha diz, por ex., que o ‘carro é branco’ e outra testemunha diz que o ‘carro é amarelo’, pode pedir-se o confronto das testemunhas, para perceber qual será mais certa a versão correta. |
G |
Se se sabe de antemão que uma testemunha não merece qualquer credibilidade, é possível apresentar outras testemunhas, não indicadas inicialmente, para confirmarem junto do juiz essa falta de credibilidade. |
H |
Não reaja por muito que lhe custe ouvir o que dizem algumas testemunhas. Limite-se a tomar nota do que elas dizem, facultar essa nota ao seu advogado e orientá-lo na pergunta que ele lhe deve fazer, para confrontar essa pessoa com o que acabou de dizer. |
Apesar de todos estarem no tribunal por sua iniciativa — no caso que estamos a analisar é o Autor da ação —, por regra, nunca abrirá a boca no julgamento para falar com o juiz. Na realidade, é comum trocar impressões com o seu advogado, comentar com ele o sentido de alguns depoimentos, dar-lhe perspetivas sobre como desenvolver o contrainterrogatório. No entanto, só excecionalmente será pedida a sua intervenção. Ela pode ocorrer em três circunstâncias:
- A pedido do seu cônjuge — o advogado do seu cônjuge achou importante que fosse confrontado, pelo juiz, sobre determinados factos relatados na contestação. Na verdade, ele pretende que admita certas situações contrárias aos seus interesses — no fundo, ele pretende que confesse certas ocorrências (por ex., que agrediu verbalmente o outro cônjuge, que não cuida dos filhos). Saberá com antecedência se terá de depor ou não nestas circunstâncias, assim como quais os assuntos sobre os quais será questionado, porque o advogado terá de requerer o seu depoimento, indicar esses assuntos e o juiz terá de o aceitar. Como sabe isso com antecedência, o seu advogado, nas reuniões preparatórias, falará consigo sobre este tema e sobre os pontos que serão abordados.
- Por sua iniciativa — o seu advogado entende ser importante que preste declarações perante o juiz para esclarecer factos em que interveio ou que teve conhecimento direto (por exemplo, por ter sido agredido pelo seu cônjuge ou por o seu cônjuge estar a acusá-lo de o ter agredido). É certo que esta necessidade de ter de intervir pode resultar das respostas das testemunhas que foram recolhidas ao longo do julgamento. No entanto, por regra, o seu advogado irá requerer o seu depoimento ainda antes de o julgamento ocorrer. Por isso, tal como na situação anterior, terá a oportunidade de conversar sobre o seu advogado sobre aquilo que se espera do seu depoimento assim como de antever que perguntas a outra parte lhe irá colocar.
- Por iniciativa do tribunal — o juiz pode entender, devido ao desenrolar da audiência, ser pertinente pedir-lhe declarações. Por exemplo, imagine uma testemunha afirmar que o viu às 2h da manhã com outra pessoa, trocando carinhos com ela, e outra diz que, a essa hora, estava consigo em viagem para o Algarve. Esta situação justificará que as duas testemunhas sejam confrontadas entre si. Mas também é motivo para o tribunal pedir que preste depoimento sobre o assunto.
O seu depoimento por iniciativa do tribunal é o único realmente inesperado — como vimos, nas outras situações descritas a regra é a de a sua intervenção ser pedida antecipadamente.
DINÂMICA DO SEU DEPOIMENTO
Como vimos, é pouco provável que seja ouvido em tribunal. No entanto, como é uma hipótese a considerar é importante perceber que dinâmica deve imprimir às suas declarações. Isto porque o seu depoimento pode ser crucial para o desenrolar do processo, em particular, se, no decurso dele, confessar factos que o prejudicam.
- As suas respostas têm de fazer sentido aos olhos do que é o normal decurso dos acontecimentos, isto, é, têm de ser consistentes, lógicas. Na verdade, o tribunal vai estar atento a contradições. E o advogado da outra parte — nunca se esqueça que, depois das perguntas do seu advogado o outro advogado pode contrainterrogá-lo — irá querer aproveitar os seus lapsos para o desgastar.
- Quando não se lembra do que aconteceu simplesmente refira ‘não me lembro’. Por vezes, a primeira reação é ir de encontro ao que a pergunta sugere. Por exemplo, se a pergunta refere a resposta, tipo ‘então saiu de casa, nessa noite, pela 1h?’, é muito fácil que responda, sem pensar, ‘sim’, quando, na verdade, não tinha a certeza se era meia noite, uma ou duas da manhã. Mas, ao dar essa resposta — desde logo, porque, inconscientemente, quer agradar a quem o está a ouvir — está a comprometer-se com ela para daí em diante. E esse comprometimento, aparentemente tão irrelevante, pode depois fazê-lo entrar em contradições que, por sua vez, irão criar no juiz a convicção que está a… mentir.
- Responda no mesmo tom de voz independentemente de quem lhe fez a pergunta. Na verdade, é muito frequente responder com respeito se for o juiz a colocar-lhe a questão, com naturalidade se for o seu advogado mas com crispação, impaciência e sarcasmo se for o advogado da parte contrária. Nada mais errado…
- Por mais que insistam consigo para responder, faça-o da forma que ache adequada. Não se sinta pressionado para responder o que não sabe, inclusive, se for o juiz a colocar a questão. Basta que seja educado e correto.
- É natural que a mesma pergunta (‘saiu de casa a que horas?’) lhe seja colocada várias vezes pela mesma pessoa (o seu advogado) e por pessoas diferentes (o advogado do seu cônjuge e o juiz). Só tem de responder outra vez. Não se aborreça com isso nem diga que não responde porque já anteriormente tinha respondido.
- Quando o juiz ou o outro advogado lhe estão a colocar questões evite olhar para o seu advogado, como que esperando o seu assentimento às respostas que deu ou como esperando que ele lhe indique as respostas que deveria dar.
- Mantenha-se calmo e responda pausadamente. Se se sente mal, diga-o, pedindo uma pausa. Não há qualquer problema com isso.
- Se não compreendeu a pergunta, não tenha receio em o dizer, pedindo que a repitam.
- Seja conciso e vá direto ao assunto. Quanto mais fala maiores probabilidades há de se equivocar.
- Nunca aproveite o momento de atacar o seu cônjuge (já que ele está na sala), desconsiderando-o, desrespeitando-o e insultando-o. Evite declarações das quais resulta que está emocionalmente magoado com tudo o que está a acontecer e que tem uma enorme raiva e ódio do outro.
Depois de concluídos os depoimentos das pessoas que foram indicadas, é dada a palavra aos advogados para produzirem alegações orais. Primeiro falará o seu advogado; depois, o advogado do Réu.
Os advogados irão sublinhar os pontos que favorecem os seus clientes, sintetizando o que disseram as testemunhas e referindo os documentos dos quais resulta a confirmação da versão dos factos que defendem.
Irão também, muito resumidamente, referir as normas legais que, aplicadas ao caso, irão sustentar a posição levada ao tribunal.
Nesta altura é natural que esteja confuso, isto é, que tenha dúvidas sobre qual a versão aceite pelo tribunal. Na verdade, o tribunal pode acreditar na sua versão, acreditar na do seu cônjuge mas também acreditar em ambos (ou não) e, consequentemente, ter uma terceira versão. Portanto, neste momento, por regra, não sabe se ganhou ou se perdeu. Vai ter de esperar.
Após proferidas as alegações, o juiz estabelece uma data (normalmente, daí a 7 dias) para comunicar os pontos que considera provados e quais os não provados. Será com base nos factos provados e não provados que o juiz aplicará as leis em vigor e decidirá se o divórcio é decretado ou não.
É difícil prever o tempo necessário entre a decisão sobre os factos provados / não provados e a sentença. Pode demorar um mês como um ano. Depende dos tribunais… Seja como for, em média demora um a três meses.
A sentença é apresentada por escrito. Isto é, depois de concluído o julgamento já não terá mais de voltar à sala do tribunal por este motivo.
Basicamente, a sentença, no caso de um processo de divórcio sem consentimento, ou defere o pedido do Autor e, nesse caso, decreta o divórcio, ou indefere o pedido do Autor e, sendo assim, o casamento mantém-se. A Conservatória do Registo Civil terá conhecimento da decisão no caso de o divórcio ser decretado, e desde que não tenha sido interposto recurso, de modo a alterar o seu estado civil, de ‘casado’ para ‘divorciado’.
Depois da sentença
Não deite logo foguetes depois de o seu advogado lhe dizer que a sentença foi favorável. É verdade que é uma excelente notícia. No entanto, contrariamente ao que poderia pensar, não é por ser decertada a sentença que o processo, necessariamente, termina. Na verdade, quem perdeu pode interpor um recurso no prazo de 30 dias após ter recebido a sentença. E pode fazê-lo porque está profundamente convencido que o juiz errou como também por questões apenas estratégicas (ou por ambas as razões).
A interposição de um recurso tem custos, como calcula. Além da taxa de justiça — cujo pagamento tem de ser feito, exceto se usufruir de apoio judiciário —, ainda terá de suportar os honorários do advogado. E, tome nota, que será normal a tarifa horária subir para este tipo de serviço.
Das duas uma:
- O recurso é sobre a matéria de direito — nestas situações quem perdeu conforma-se com a decisão do tribunal quando aos factos provados e não provados. Isto é, entende que a decisão judicial sobre a versão (ou versões) dos factos que considerou para aplicar as normas legais está correta. No entanto, já acha que o juiz errou quando aplicou as normas legais. Ou porque não deveriam ser essas normas ou porque, embora fossem essas, elas foram erradamente interpretadas.
A redação deste recurso — o que se redige, tecnicamente, são as ‘alegações’ — exigirá do seu advogado estudo, empenho e uma excelente técnica de escrita. Em média, cada página demora uma a duas horas a ser escrita.
- O recurso é sobre a matéria de facto e de direito — neste caso, o advogado que perdeu considera que o juiz não avaliou adequadamente os depoimentos das testemunhas, o teor dos documentos e toda a prova que foi produzida em julgamento. Deveria ter dado como provados certos factos que não deu e/ou como não provados certos factos que deu.
Além disso, o advogado considera, na sequência disso, que as normas a aplicar deveriam ter sido outras ou, embora fossem as corretas, deveriam ter sido interpretadas de outro modo.
Este tipo de recurso (sobre a matéria de facto e de direito) é bastante complexo além de consumir muitas horas. Exige que se oiçam as gravações das testemunhas, que se transcrevam esses depoimentos, que se critique o que o tribunal considerou e o que deveria ter considerado. Além disso, ainda exigirá que o advogado se debruce sobre as questões de direito.
Um recurso destes, normalmente, tem 20 a 80 páginas e demora, em full-time, 8 dias úteis. Como imagina, não é barato, se considerarmos as tais 1 a 2 horas por página.
TOME NOTA: Se perdeu a ação o seu advogado irá dizer-lhe se existe fundamento para interpor recurso. Se ele entender que sim, deve procurar saber que argumentos vão ser usados e qual o impacto desse trabalho no custo do processo. Não avance para esta fase sem estar certo do valor que lhe vai ser pedido, da probabilidade de inverter a situação e dos custos das taxas de justiça.
Além disso, nesta altura, é importante que avalie o desempenho do seu advogado. Por vezes é preferível entregar este tipo de trabalho a outro advogado, mais especializado neste tipo de situações.
Estes custos somam-se aos que já teve. Daí ser importante que pondere bem até que ponto a decisão o prejudica ou não. Nessa ponderação não se esqueça de considerar que, perdendo, além do mais, terá de pagar as despesas do tribunal da outra parte assim como um determinado valor a título de honorários,
Depois de ser interposto o recurso, a outra parte vai ser notificada para apresentar, em 30 dias, as contra-alegações. No fundo, é a oportunidade de vir dizer a sua perspetiva da situação. Naturalmente que, quem venceu, irá aplaudir a decisão do juiz e defender a manutenção da sentença.
Ao fim de cerca de 7 a 16 meses o tribunal que aprecia o recurso — o Tribunal da Relação — irá proferir um ‘acórdão’. Este acórdão dirá se a sentença proferida merecia ou não ser revista.
Depois do fim do casamento, ainda lhe restam pontos a tratar, na eventualidade de ainda não ter chegado a acordo: os miúdos, a casa de morada de família, os alimentos e a partilha do património.