
Se o divórcio colaborativo falhar, o processo pode passar para um divórcio litigioso. Conheça os motivos mais comuns e o que fazer para evitar problemas.
O divórcio colaborativo é um caminho. Terá altos e baixos. O advogado colaborativo terá a responsabilidade de o conduzir por esse caminho. Em determinadas alturas parece que tudo está a correr bem e que o acordo está muito perto. Noutros momentos o acordo parece inalcançável.
É importante gerir bem as expetativas. Compreender e estar preparado para manter uma postura equilibrada em momentos desgastantes. E acreditar que tudo se resolverá da melhor maneira mesmo quando isso parece impossível de alcançar.
Um ponto importante para evitar que tudo falhe é antecipar as dificuldades, falando com o seu advogado, e inteirando-o de tudo o que se passa. Um erro primário é ir ocultando informação que poderá ser, à primeira vista, irrelevante, mas que, na verdade, é crítica. Só comunicando com ele é que poderá obter o auxílio adequado.
Outro ponto que não é de somenos é a gestão do tempo. A sua expectativa é a de atingir um acordo rapidamente. Isso poderá acontecer na identificação das linhas gerais do que ambos pretendem. Mas o diabo são os detalhes. Quando o seu advogado começa a redigir aquilo que será o draft dos acordos nas suas várias vertentes (atribuição da casa de morada de família, responsabilidades parentais, pensões e património) os problemas começam a surgir.
Portanto, mantenha as suas expectativas niveladas. Seja moderado e tenha um forte auto-controlo. Não estabeleça ultimatos nem exprima ameaças, tipo, ‘vais ver o que te vai acontecer no tribunal’, como forma de pressionar o outro a avançar em linha com a sua velocidade.
Antes de concluir pelo falhanço do divórcio colaborativo, veja as razões mais comuns que justificam os atrasos existentes.
ATRASOS MAIS COMUNS |
Este tipo de comportamento demonstra a dificuldade que o outro tem de encarar a realidade do fim da relação. Não é o método que está a ser seguido que não funciona; é o outro que necessita de mais tempo.
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Concluindo que existem atrasos justificáveis, procure então definir, juntamente com o seu advogado, um calendário para as atividades ainda não realizadas. Este calendário deve ser depois discutido com a outra parte, de modo a que ela também se sinta envolvida e, consequentemente, comprometida com as datas do processo.
Situação diferente é quando se chega a um verdadeiro impasse nas negociações. Nesses casos, os motivos são relevantes e podem surgir de diferentes situações.
IMPASSE NAS NEGOCIAÇÕES |
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MOTIVO |
EXEMPLO |
1. Factos essenciais |
Ele diz que a casa da praia foi comprada com dinheiro que ele obteve com a venda de um apartamento que tinha comprado antes de casar. Por isso, a casa da praia não é um bem comum, logo não pode ser partilhado. Por sua vez, o seu advogado defende que a maior parte do preço pago pela casa da praia teve origem em aforros obtidos quando ambos já se encontravam casados. Quer um quer o outro não apresentam prova concludente sobre o assunto. |
2. Divergências legais |
O advogado da outra parte insiste que o montante de pensão de alimentos deve ser calculado em função do nível de vida que existia no momento do casamento; pelo contrário, o seu advogado defende veementemente que isso foi assim mas que, atualmente, já não é. |
3. Divergências na concretização do ‘superior interesse da criança’ |
Na sua opinião, o filho de ambos deveria frequentar um colégio privado, porque o ensino é de maior qualidade. Na opinião do outro, a criança deveria manter-se na escola pública porque, além de o nível de ensino ser razoável, habitua-se a um ambiente muito semelhante à ‘vida real’. |
4. Desejo de vingança |
Ele encontrou outra pessoa e esse foi o motivo do divórcio. Agora, você admite que o casamento está perdido. Mas ‘isto não vai ficar assim…’ |
5. Querer ‘levar a taça’ |
O outro tem um enquadramento mental de ‘ganhar vs. perder’, isto é, se houver acordo então ele perde. Logo, para evitar que isso aconteça prefere que o acordo nunca se realize. |
Perante estas dificuldades, importa implementar estratégias para as ultrapassar. Claro que cada caso é um caso. Seja como for, aqui ficam algumas sugestões.
Factos essenciais — para ultrapassar esta divergência relacionada com os factos a melhor solução é o seu advogado rever os documentos existentes ou então obter outros, mais explicativos. Poderão também solicitar a intervenção de um terceiro, imparcial, ou aceder a informação isenta. Por exemplo, no caso de não existir entendimento sobre o valor de um bem que faz parte do património comum devem poder recorrer a um avaliador oficial que será escolhido de acordo com um procedimento previamente estabelecido pelas partes.
Divergências legais — Elas podem acontecer, desde logo porque a legislação portuguesa utiliza frequentemente conceitos indeterminados e cláusulas gerais. Quando isso acontece são um bloqueio relevante no andamento normal das negociações, podendo delas depender o sucesso do divórcio colaborativo. Basicamente, há três possibilidades:
- Ambos os advogados procuram decisões no sentido que lhes é favorável, conseguindo, mais tarde, demonstrar que a posição que defendem é aquela que, por regra, é seguida pelos tribunais;
- Solicita-se uma terceira opinião a um consultor legal independente. Normalmente, são professores de direito que redigem pareceres. Para evitar despesas acrescidas, essa consulta pode ser solicitada a assistentes ou a pessoas de reconhecido mérito na área.
- Como a lei é demasiado genérica, procura-se ir além dele, procurando uma solução que vá de encontro ao caso concreto, isto é, que salvaguarde os interesses mais relevantes de ambas as partes.
Divergências na concretização do ‘superior interesse da criança’ — é muito frequente a dinâmica do divórcio se perder em discussões sobre o que será melhor para a criança. Nestas situações pode acontecer (e, na maioria das situações, acontece) que ambos tenham razão. Mas, no entanto, cometem um erro: quando apresentam os seus argumentos apenas consideram o seu ponto de vista, isto é, esquecem que os progenitores já não vivem juntos, que deixarão de estar casados, que as rotinas se alteraram. Uma das estratégias utilizadas para desbloquear este impasse é pedir-lhe a si que, por momentos, se coloque no lugar do outro, e vice-versa. Isto é, imaginando que é o outro, qual seria a sua sugestão? Deste modo compreenderá com mais facilidade os interesses que estão por detrás da posição que contraria a sua. Compreendendo os interesses em jogo permite com maior facilidade harmonizar ambos.
Desejo de vingança — a questão da vingança é do foro emocional. Não há razões para, objetivamente, acabar com o casamento. Apenas razões subjetivas. Sendo assim, é necessário identificar os motivos que geraram esse desejo de vingança. A melhor forma é pedir a colaboração de um psicólogo ou psiquiatra. Ele poderá ter um papel muito importante na identificação desses motivos e na implementação de uma solução que permita ultrapassar esse desejo.
Querer ‘levar a taça’ — impede-se o entendimento por se considerar que isso é uma vitória para o outro. Como se fica mais concentrado nos ganhos do outro, então desvaloriza-se o que o acordo tem de bom para si próprio.
Na verdade, o acordo implica cedências de ambos. E vitórias para ambos. Focar-se excessivamente nos pontos que lhe são menos favoráveis é um erro. Não o levará a nenhum lado. Antes pelo contrário, importa avaliar o acordo considerando os pontos mais positivos para si.
Portanto, se pressente que o outro cônjuge apenas não avança porque irá considerar-se um perdedor faça-lhe ver isso com clareza e seja firme. Poderá, eventualmente, admitir algumas cedências em pontos que não lhe sejam essenciais. Mas importa manter a situação dentro da razoabilidade.
Se chegar a este ponto e o impasse ainda não foi desbloqueado então é melhor pensar noutra estratégia. Na verdade, embora o divórcio colaborativo seja uma solução com um elevado grau de êxito há casos que, pelos mais variados motivos, não se conseguem resolver.
Se for o seu caso, veja algumas opções que poderá tomar.
Dê tempo ao assunto — por vezes o problema não são as divergências existentes mas sim o momento em que essas divergências são discutidas. Isto é, embora ambos tenham uma opinião semelhante sobre os temas em aberto acontece que o momento não é o adequado para um deles. Ou porque precisa ainda de tempo para refletir sobre a questão do casamento; ou porque aguarda a ocorrência de um acontecimento alheio até à própria relação, etc.
Se, pelo histórico da dinâmica implementada ao procedimento, sentir que o decurso do tempo pode ajudar a aproximar as partes, então uma alternativa é dar esse tempo ao outro. Não desista apenas porque os momentos não são os adequados para ambos. É preferível fazer um compasso de espera do que tomar a iniciativa de por termo ao divórcio colaborativo e procurar uma outra solução.
No entanto, antes de decidir-se por dar tempo ao outro é imperioso que confirme as consequências respetivas. Imagine que o outro está a viver na casa de ambos e que os contratos de água, luz e gás estão em seu nome e a ser debitados na sua conta. É óbvio que, quanto mais tempo demorar o procedimento mais dinheiro despende com os gastos de água, luz e gás. É verdade que poderá, legalmente, acertar as contas no fim, quando estiverem a discutir os valores da partilha. Mas isso poderá ser um problema que se poderia facilmente evitar se não fosse o decurso do tempo.
Agende datas limite — defina quais os procedimentos que adotará no caso de o divórcio colaborativo falhar e estabeleça as datas respetivas. Fale com o seu advogado. Depois, o seu advogado dará a conhecer ao outro o seu timing e os caminhos alternativos que irão seguir, nomeadamente, o tribunal. Esta firmeza em querer resolver as questões, estabelecendo datas precisas, é um sinal claro que não desistirá.
Mude de advogado — certas situações não evoluem porque o advogado que contratou ou o advogado da outra parte não colabora para a resolução rápida da questão. Por questões de agenda ou por outros motivos, nomeadamente, impedimentos pessoais, as reuniões foram sendo agendadas com intervalos muito longos, ou então as reuniões foram desmarcadas à última da hora, ou ainda as reuniões tinham uma ordem de trabalhos que não evoluía considerando a reunião anterior, o certo é que nunca foi implementada uma dinâmica que tivesse em vista a obtenção do acordo.
Se sente que o problema está no seu advogado então tenha com ele uma conversa franca. Explique-lhe, pormenorizadamente, com factos, porque entende que os motivos para o procedimento não andar são da responsabilidade dele e estabeleça com ele objetivos realistas. Se, mesmo assim, a dinâmica persistir em não surgir, então procure outro advogado colaborativo.
Mediação — Experimente a mediação se entender que o papel que os advogados estão a desempenhar só piorou a situação, isto é, apenas levaram a que os cônjuges se afastassem entre si. Para compreender o impacto da intervenção dos advogados compare os pontos onde já havia acordo no início do procedimento com os pontos consensuais existentes atualmente. Se for no sentido descendente então é porque algo não está a correr bem.
Tribunal — esta será, seguramente, a solução que não deveria ser. Mas, esgotadas as alternativas, é a única possível. Antes de a tomar fale com o seu advogado. Compreenda com rigor o impacto que esta opção lhe trará, tanto financeiramente como emocionalmente. Tenha em consideração que o advogado que o acompanhou no divórcio colaborativo não o irá patrocinar. No entanto, ele poderá dar-lhe referências de outros advogados que trabalham preferencialmente em direito da família.
ATENÇÃO: Apesar de ter investido tempo e dinheiro em procurar levar a bom termo o divórcio colaborativo, o certo é que ele falhou. Deu o melhor de si. Optou por uma solução que, sem dúvidas, era a melhor a médio e a longo prazo, pois mantinha as relações cordiais, era menos dispendiosa e poupava todos da tensão que os tribunais provocam. Apesar disso, tenha em conta que todo o trabalho efetuado não vai para o lixo. Porventura o que o afasta do outro cônjuge são ‘pormenores’. Optar pelo tribunal até pode ser, nesta perspetiva, a melhor solução. É que, por vezes, o juiz pode dar aquele ‘empurrão’ que faltava para que o acordo se concretizasse.